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OS MASS MEDIA E A GUERRA (29/4/99)
Há dias o edifício da televisão oficial sérvia foi bombardeado e a emissão interrompida durante várias horas. O ataque provocou vítimas civis ("danos colaterais"), que os responsáveis da NATO lamentaram, a meu ver, sinceramente (Que responsável político-militar não gostaria de exibir uma guerra verdadeiramente "limpa"?).
Da parte dos jornalistas ouviram-se alguns protestos, embora pouco convinventes. Compreende-se que os profissionais da imprensa se preocupem com a sua segurança. Por outro lado, é inaceitável que um jornalista seja perseguido ou prejudicado em consequência da sua actividade profissional. É compreensível que eles procurem transmitir a ideia de que as suas reportagens são objectivas e neutras, mas isso não passa de uma ilusão. Ilusão que é tanto mais perfeita, quanto mais pluralista aparenta ser. Daí que a nós nos pareça mais objectiva a informação transmitida pelos jornalistas estrangeiros, do que a que é difundida pelos órgãos de comunicação sérvios.
Mas o que eu pretendo dizer é que nenhum jornalista tem razão para protestar contra os ataques à televisão sérvia, ou outro órgão de informação, porque na realidade eles não são neutros. Pelo contrário, são instrumentos de propaganda e manipulação da opinião pública, quer de um lado, quer do outro; a diferença estará apenas no grau de subordinação ao poder político e na subtileza dessa manipulação. De um lado e do outro, os órgãos de informação são objectivos estratégicos prioritários.
E isso nem sequer é de hoje. O filme transmitido recentemente pela SIC sobre a Revolução de Abril, mostrou mais uma vez que entre os objectivos prioritários definidos pelo movimento estavam, a par das estruturas de comando militar, as principais estações de rádio (RCP e EN) e a televisão. Não é preciso dizer mais nada!
Este fim de semana um número indeterminado de pessoas, suspeitas de favorecerem a independência de Timor-Leste, foram atacadas e mortas em Dili. Não lhes valeu sequer a presença de jornalistas estrangeiros, pelo menos alguns portugueses, nem de um membro do governo irlandês. Na mesma ocasião um jornal próximo dos independentistas foi inteiramente destruído.
Os responsáveis por este massacre, bem como de outro ocorrido há dias em Liquiça, são os membros das milícias integracionistas, armados e instigados pelos militares indonésios. Vale dizer que os primeiros responsáveis são as autoridades indonésias, inclusive o seu presidente.
O mais dramático em tudo isto é que o ataque nem sequer foi inesperado. Pelo menos desde que a Indonésia, pressionada por sérios problemas internos, fingiu aceitar algum tipo de consulta à população de Timor-Leste, assistimos à expansão dessas milícias, que se exibem calmamente em todo o lado e calmamente intimidam e agridem os adversários. Tudo isto com total impunidade. Segundo relatos locais, as agressões são cometidas à vista da polícia ou do exército, que nem sequer fingem desconhecer a situação.
Perante situações deste tipo, face a tão violentos atentados aos mais elementares direitos humanos, não basta continuar as intermináveis negociações diplomáticas. É preciso que as Nações Unidas e os governos ocidentais pressionem fortemente o governo indonésio, e não apenas por palavras. É preciso apertar onde mais dói: nos fluxos financeiros que, nesta situação de crise, sustentam o regime indonésio. Um regime que não tem nenhuma autoridade legítima sobre os timorenses, nem, provavelmente, sobre os próprios indonésios.
O PSD não deixa de nos maravilhar: unanimismo cavaquista; Cavaco bate com a porta, unanimismo nogueirista; entretanto Barroso foi apontado a dedo como perigoso "sulista e elitista" (falta-me aqui um adjectivo; ajudem-me que a minha memória não é de ferro...); unanimismo marcelista (desta vez é que é; como é que ninguém se lembrou, no PSD, que o homem é perito a perder eleições?); agora, (Março de 1999), unanimismo barrosista.
Conclusão: no PSD não há dirigentes e, principalmente, não há princípios. O que ontem não prestava, hoje é a salvação do partido. Mas, como é que aquilo que o partido rejeitava há um ano atrás (para nos entendermos todos, estou a falar do Durão Barroso), é bom, hoje, para o país? Se eles não acredita(va)m na solução barrosista, como é que o país vai acreditar? — Mistério!
No próximo congresso do partido até podem jurar todos por Marcelo. Mas quem vai acreditar? Essa gente não se entende, nem sequer para a organização de listas para o Parlamento Europeu, uma coisa que ninguém sabe muito bem o que seja...
Durante meio século conseguimos manter a Europa afastada da guerra. O que isso representou em termos de desenvolvimento económico e de bem-estar é inestimável. Talvez por isso tanta gente reaja contra a actual situação. O que há de egoísmo nessa postura espero tê-lo demonstrado noutro texto. Mas o facto é que hoje, em 1999, à beira do século XXI, a guerra está aqui, à nossa porta, e nada nos garante que não entre em nossa casa amanhã!
Nestas circunstâncias, adoptar uma posição beata de rejeição da guerra é estúpido. Estúpido, porque a guerra está aí! E está aí, não porque a desejássemos — afinal, quem deseja a guerra? —, mas porque, durante anos, demasiados anos, valha a verdade, fechámos os olhos à realidade. E agora que a guerra está à nossa porta, e nós, queiramos ou não, estamos envolvidos nela, o que devemos perguntar é como acabar com ela e evitar que ela se repita — se isso for possível!
Ora bem, quando se chega a esta situação, o melhor que há a fazer é tentar descobrir se a guerra é legítima. Em minha opinião, é. Se os meios de comunicação social não me trouxessem todos os dias relatos de atrocidades contra os kosovars (hoje são os kosovars, na Europa, os timorenses, na Indonésia, e quem sabe o que mais..., amanhã podemos ser nós...) poderia continuar tranquilo em minha casa, como se nada estivesse a acontecer. Seria uma forma de cegueira, mas legítima.
Mas, nem essa cegueira me é permitida, porque as notícias chegam de hora a hora. e essas notícias dizem-me que homens, mulheres e crianças estão a ser mortos ou expulsos, simplesmente porque são diferentes; mais, esses homens, mulheres e crianças estão a ser expulsos de uma terra onde nasceram, onde os seus pais e avós nasceram e morreram, e que alguém, baseado simplesmente em mitos, declara ser sua.
Ora, os mitos valem o que valem — isto é, nada, quando falamos da realidade. Os sérvios reclamam o Kosovo como o berço da sua nação, simplesmente porque há cinco séculos atrás sofreram aí uma derrota memorável face aos turcos. Ora, antes de os sérvios aí serem derrotados, já os albaneses ai viviam. Portanto, em matéria de legitimidade histórica estamos conversados...
Portanto, ficamos entendidos. A paz é boa, mas não é algo que se herde, tal como outros, por azar seu, herdam a guerra. A paz é uma conquista que cada um de nós tem de fazer dia a dia. Paz é não haver guerra, e para haver paz é necessário que não haja razão para fazer guerra. Enquanto os meus ilustres leitores não perceberem isto, a guerra é a coisa mais certa que nos espera. Correndo o risco de me repetir, direi que não haverá paz para nós, enquanto não houver paz para os outros.
Esta semana chegou a notícia de mais um massacre perpetrado por milícias pró-indonésias em Liquiçá. O cálculo do número de vítimas oscila entre 50 e 200 pessoas. Como de costume, é impossível conseguir números exactos, porque os corpos desapareceram, provavelmente por iniciativa dos militares indonésios, que assim procuram eliminar as evidências das suas barbaridades ou cometidas com o seu consentimento. Não há dúvida de que essas milícias foram armadas pela Indonésia e actuam com total liberdade. Isto significa que a própria Indonésia é a grande responsável pelo clima de violência instalado no território. O objectivo é evidente: intimidar de tal maneira a população favorável à FRETILIN que a independência seja impossível. É necessário que as Nações Unidas assumam inteiramente a sua responsabilidade e obriguem o governo indonésio a aceitar uma força internacional de manutenção da ordem.
AINDA O PSD (5/4/99)
Um partido que se deita com Marcelo e se levanta com Barroso nos braços, sem se interrogar sobre o que terá acontecido durante a noite, não merece o voto dos eleitores...
MASSACRE NO KOSOVO (4/4/99)
Ontem as televisões de todo o mundo transmitiram aquelas que parecem ser as primeiras imagens de massacres praticados pelos sérvios no Kosovo. Antes da intervenção da NATO, tinham já sido divulgadas imagens semelhantes, mas, se bem me lembro, esses mortos foram "identificados" pelos sérvios como membros da guerrilha kosovar. É verdade que a explicação não era muito convincente, mas persistiu a dúvida. Agora, estas imagens, captadas por um refugiado kosovar, caso sejam verídicas, confirmam aquilo que já se suspeitava — a perseguição e expulsão da maioris albanesa no Kosovo por parte da polícia e exército sérvios.
A este propósito convém não esquecer alguns factos:
— A populção do Kosovo é maioritariamente albanesa (cerca de 90% antes do êxodo actual);
— A autonomia que esta província possuía no seio da antiga Federação Jugoslava foi destruída ou muito reduzida há cerca de 10 anos;
— A população albanesa (ou parte dela) resistiu a essa usurpação, primeiro pacificamente, depois recorrendo à acção armada; Durante todos estes anos a questão foi considerada problema interno e a população albanesa abandonada à sua sorte.
— Só recentemente o problema começou a ser discutido seriamente a nível internacional;
— Nessas negociações a intransigência da Sérvia foi evidente; no fundo mostrou-se disposta a aceitar qualquer solução que deixasse tudo como estava, o que para a outra parte era inaceitável;
— Obviamente, a Sérvia confiou que a comunidade internacional nunca chegasse a entender-se sobre formas de pressão militar sobre o regime de Belgrado e por isso endureceu a sua posição;
— Depois de dez dias de bombardeamentos, e apesar dos danos sofridos, a Sérvia parece acreditar ainda na possibilidade de que a actual aliança EUA-Europa se fragilize ou simplesmente se volatilize, o que lhe permitiria obter uma vitória estrondosa;
— A Sérvia, directa ou indirectamente, tem estado por trás de todos os conflitos na região nos últimos dez anos (conflitos que já provocaram milhares ou dezenas de milhares de mortos);
— Os bombardeamentos da NATO têm tido a preocupação de evitar alvos civis, embora se tenham verificado danos colaterais; portanto, a única conclusão possível é que não são directamente os bombardeamentos que provocam o êxodo massiço de kosovars para os países vizinhos; assim, esse êxodo resulta da pressão directa das forças sérvias ou do receio dessa pressão, o que vai dar no mesmo.
Agora as minhas conclusões:
A Sérvia com a sua política nacionalista é a principal responsável pela instabilidade e os milhares de mortos na região;
Um estado que não respeita e não é respeitado pelos seus cidadãos, ou parte significativa dos seus cidadãos, não tem qualquer legitimidade para o governar;
A população do Kosovo, como qualquer outra população mais ou menos homogénea, em qualquer parte do mundo, tem direito a escolher a forma de organização que mais lhe convenha e eventualmente a tornar-se independente;
Qualquer país, incluindo a sua população, ao assumir posições é inteiramente responsável pelas consequêcias dos seus actos;
Qualquer país ou organização internacional (neste caso, leia-se EUA, NATO, países europeus), ao assumirem determinadas posições devem estar conscientes de que elas têm custos, e portanto devem estar dispostos a assumir esses custos; especificamente, devem estar preparadas para utilizar todos os meios possíveis e legítimos para atingir os fins que se propuseram — isto é, a NATO, ao envolver-se nesta operação, não pode dar-se ao luxo de falhar, mesmo que para isso tenha que pagar um custo elevado.
A GUERRA NA SÉRVIA CONTINUA... (3/4/99)
A televisão acaba de noticiar mais um bombardeamento da NATO, desta vez no centro de Belgrado. As imagens da televisão jugoslava que ilustravam a reportagem eram elucidativas: dois edifícios ligados ao ministério do interior teriam sido atingidos e completamente destruídos. Se eles ainda estavam a ser usados ou não pela polícia sérvia é indiferente. Por maiores que tenham sido as precauções do governo sérvio, muitos dados e equipamentos foram irremediavelmente perdidos; a capacidade operacional das forças de polícia severamente afectada.
E a mensagem é evidente: é possível atingir os centros de decisão quase sem oposição da defesa anti-aérea sérvia. O melhor de tudo é que não se terão verificado vítimas. Ontem tinha sido destruída uma ponte sobre o Danúbio, com o objectivo evidente de paralisar o tráfego fluvial, de importância estratégica. Tudo isto com condições adversas à actuação dos meios aéreos da Aliança Atlântica. Se houver uma réstea de bom senso em Belgrado, estar-se-á a pensar seriamente, neste momento, no modo de encontrar uma solução aceitável para o conflito.
Deve ser-se extremamente cauteloso, antes de entrar num conflito militar. Mas, quando se entra, deve ser-se extremamente determinado e estar apto a usar todos os meios legítimos para convencer o adversário da nossa determinação. Apesar de tudo, a NATO, ou quem decide por ela, parece ter compreendido isto. Espero sinceramente que os sérvios tenham também compreendido.
GUERRA CONTRA A SÉRVIA (2/4/99)
Se perguntarmos às pessoas se preferem a paz ou a guerra, muito provavelmente a resposta será só uma — paz! Seguramente obter-se-ia um consenso semelhante se a pergunta incidisse sobre o direitos dos albaneses do Kosovo a viver seguros na sua terra, com um grau de autonomia adequado. O objectivo das negociações entre sérvios e kosovars. mediadas pela comunidade internacional, era exactamente esse: preservar a paz e garantir segurança e autonomia aos albaneses do Kosovo.
Esses contactos tiveram o resultado que todos sabemos: nenhum acordo foi possível. Aparentemente, pelo menos, a intransigência surgiu no campo sérvio, que no fundo pretendia deixar tudo como estava, de forma a conservar íntegra a sua margem de manobra na região. Aceitar essa posição, seria dar carta branca ao governo da Sérvia para continuar a conduzir a sua política de subalternização da maioria albanesa do Kosovo, em nome de ideais de afirmação nacionalista (sérvia) e expansionista, que têm sempre o mesmo resultado: a humilhação e aniquilação dos outros.
Perante situações complexas, como esta, o mais cómodo é fechar os olhos e recusarmo-nos a ver o que se passa. Fazemos isso diariamente, perante situações do mesmo tipo espalhadas um pouco por todo o mundo. Os nossos olhos são os media e por isso vemos o que eles nos mostram. É verdade que, de momento, eles ignoram muitos desses conflitos, mas não ignoram o Kosovo. Não é legítimo defender a passividade neste caso, argumentando com a passividade face a casos semelhantes. Ou a passividade (leia-se egoísmo e comodismo) é boa e deve ser sempre aplicada ("O problema não é nosso; eles que se entendam..."), ou não é, e neste caso só há uma posição coerente: agir onde e quando for possível. Recorrendo à diplomacia, preferencialmente, como é óbvio. Mas precisamos ter consciência de que a argumentação, só por si, é insuficiente. É necessário que as partes envolvidas percebam claramente que as posições assumidas oferecem vantagens e também riscos, sendo um deles a possibilidade de se ver envolvida numa guerra.
PSD - REI MORTO, REI POSTO... (29/3/99)
O aparelho do PSD foi mais longe do que Cavaco: nunca tem dúvidas e nunca se engana! Quinta-feira passada juravam todos por Marcelo Rebelo de Sousa; este fim de semana descobriram, encantados, que Durão Barroso é o melhor líder possível, o único homem capaz de tirar o partido do buraco onde eles o meteram e, se Deus for mesmo laranja, atirar Guterres para o caixote do lixo da história. Cambalhotas tão violentas envergonham o mais cínico... Um por um passaram pelos jornais televisivos para anunciarem ao país a grande nova. Até Luís Filipe Menezes esqueceu, comovido, o sulismo e o elitismo daquele perigoso esquerdista. Leonor Beleza, que deu a cara por Marcelo e pela defunta AD, que se empenhou profundamente nos últimos anos em manter Durão Barroso longe da direcção, foi a primeira a anunciar o novo líder. Quanto a Santana Lopes representou a rábula do costume: apresentou-se de imediato como o lídimo representante do PPD profundo, anti-elitista e anti-sulista, exigiu a consulta das bases, insinuou que poderia candidatar-se e, ao que parece, face à mobilização do aparelho, recolheu à base (como sempre). Por este andar, quando chegar a sua vez, já terão passado pela presidência do partido todos os actuais e futuros barões... Falando seriamente: há dois meses 2/3 dos congressitas (e dos dirigentes, presumo) re-aprovaram a estratégia de Marcelo, que passava pela AD; essa estratégia falhou redondamente (aliás, só um avançado mental, área em que o PSD é fértil, acreditaria na sua viabilidade) e Marcelo, obviamente demitiu-se; os dirigentes que o apoiaram nesse desvario deveriam seguir-lhe o exemplo, mas isso é pedir-lhes demais; eles só têm uma estratégia — seguir o líder...
O FIM DA AD (27/3/99)
Duarte Lima definiu essa "coisa" de forma lapidar: "A AD nasceu sem grandeza e
morreu sem alma." Marcelo, o criador de factos políticos, morreu politicamente
no dia em que impôs ao partido a aliança com o PP. Era evidente que, para ele,
a AD só visava um objectivo — tentar impedir o PS de obter maioria absoluta nas
próximas eleições. Se atingisse esse objectivo poderia permanecer à frente do
partido à espera do apodrecimento do Partido Socialista.
Mas deixar transparecer isso foi fatal. Não acreditar na vitória é desmotivar
os potenciais eleitores ou até empurrá-los para o colo do adversário. As
sondagens, todos o sabemos, valem o que valem, mas apontam todas no mesmo
sentido — a derrota da AD e, portanto, de Marcelo.
Essas sondagens, aliás, parecem ter incomodado suficientemente os dirigentes
laranja, a ponto de os levar a desejar a morte da recém-nascida coligação. Mas
nestas coisas desejar não chega. Decidiram então matá-la lentamente, na
esperança de que o crime não lhes viesse a ser atribuído. Paulo Portas percebeu
que estava a ser cozinhado em lume brando e decidiu que não iria ao fundo
sózinho. Consciente ou inconscientemente, e antes que o barco naufragasse,
atirou o capitão ao mar.