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As (poucas) manifestações contra a intervenção da NATO no Kosovo são repugnantes. Caracterizam-se pela cegueira e o egoísmo.
De facto, hoje, as pessoas vêm aquilo que querem ver. Muitas querem ver na NATO aquilo que viam há dez ou vinte anos atrás: uma "força de bloqueio" à revolução que viria, mais cedo ou mais tarde, da União Soviética. Só que, entretanto, a União Soviética desapareceu; o seu sucedâneo, a Rússia, vive da ajuda ocidental; e, principalmente, já ninguém espera, nem deseja, a tal revolução. Resumindo: a cegueira não tem desculpa.
Resta o egoísmo, esse sim, bem vivo, ainda que não reconhecido. Para muita gente o Kosovo, a Albânia, a Sérvia são o mesmo que a Costa do Marfim, o Sri Lanka ou o Tibete (Onde é que isso fica?!) e os seus habitantes uns "chatos", que só têm um objectivo na vida: atrapalhar a nossa tranquila existência!
O raciocínio seria impecável, se o ser humano fosse aquilo que eles, no fundo, imaginam: um ser que come e dorme. Só que não é: é, ou devia ser, um ser inteligente, capaz de inferir conclusões lógicas a partir de premissas evidentes, ou pelo menos prováveis; é, ou devia ser, um animal solidário, disposto a evitar aos outros aquilo que não deseja para si próprio (E para que não haja dúvidas, não estou a falar dos sérvios; estou a falar da perseguição feita pelos sérvios aos albaneses do Kosovo, que é anterior aos bombardeamentos. E lembro que o Kosovo, onde 80% da população é — era! — de origem albanesa, nem sequer deveria estar sob administração da Sérvia!).
Evidentemente, eles não põem as coisas de forma tão simples. Não são tão estúpidos como isso. Pegam na mão e erguem bem alto princípios aparentemente inquestionáveis do tipo "Sim à Paz, não à guerra!". Tempos houve em que isso era suficiente. Hoje, já não é. Muita gente já percebeu que princípios abstractos, desligados da realidade, são vazios de conteúdo. De facto, somos todos favoráveis à Paz, mas isso que significa? Posso estar em paz, se o próximo está em guerra? A questão é essa. E, para mim, "próximo" é todo o ser humano, até mesmo os muçulmanos kosovars.
Dir-me-ão que a negociação é a única solução legítima para conflitos deste tipo. E eu respondo que a negociação é a forma privilegiada de resolução de conflitos, tanto na esfera individual, como na política. Mas que fazer, quando as negociações chegam a um impasse? — Fingir que continuamos a negociar? Quanto a mim, era isso que estava a acontecer. Negociações ao mais alto nível foi o que não faltou nos últimos dez anos.
Falo em dez anos, porque até essa altura a Sérvia (e os sérvios) tinham garantido o seu predomínio no âmbito da antiga Federação Jugoslava. Só que essa federação explodiu e o predomínio dos sérvios foi de imediato ameaçado. Nos anos seguintes, assistimos a esforços trágicos para manter esse predomínio. Baldados, como sabemos. Mas pelo caminho ficaram milhares ou dezenas de milhares de mortos (perdemos-lhe a conta...), centenas de milhares de refugiados, forças de interposição de todo o tipo, e milhares e milhares de horas de negociações. Por trás de todas essas tragédias estiveram os sérvios, mas a Sérvia manteve-se mais ou menos à margem do conflito.
Durante esses anos não percebi entre a população sérvia nenhum sinal claro de oposição a esse nacionalismo exacerbado. Por convicção ou omissão, os sérvios mantiveram no poder Milosevic e os seus acólitos; não esperem que agora eu verta lágrimas pelos seus sofrimentos. É verdade que a Sérvia está a ser destruída, militarmente e economicamente (e é isso mesmo que eu defendo, porque a Sérvia é uma ameaça à paz dos seus vizinhos e, portanto, da Europa e do mundo), mas as vidas dos sérvios estão a ser poupadas (e com isso regozijo-me também). É bom que os sérvios sintam na própria pele aquilo que a guerra custa: talvez assim pensem duas vezs antes de tolerarem a guerra aos vizinhos.
Abril de 1999