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Uma reforma abortada

 

Na sequência do 25 de Abril, o sistema de ensino português sofreu alguns ajustes, suficientes para lhe retirarem as marcas mais visíveis do antigo regime, sem que, em seu lugar, surgisse algo de radicalmente diferente, estruturado de cima abaixo e adequado aos novos tempos.

Eliminou-se a distinção entre ensino liceal e ensino técnico, criando-se após o ensino preparatório um ciclo unificado.

De facto, durante décadas, essa dicotomia exprimia ao nível do ensino uma discriminação injusta, na medida em que canalizava para vias diferentes os jovens, de acordo com a sua origem social. As condições políticas da época justificam essa atitude radical: todos iguais, era o lema dominante. Não havia nessa altura condições para defender a manutenção de vias de formação alternativas, que tivessem em conta as motivações e aptidões dos jovens e garantissem a formação de técnicos superiores e técnicos intermédios. Optou-se então pela uniformização até ao novo ano e transferiu-se o problema para o ensino secundário, onde apareceram exactamente essas duas vias, rebaptizadas de cursos via ensino e cursos técnico-profissionais.

Mas o problema básico manteve-se: os cursos técnico-profissionais mantiveram sempre o labéu de um ensino de segundo nível, socialmente desqualificado, destinado a alunos com uma preparação de base insuficiente, incapazes, por isso ou por limitação intelectual, de seguir a via "normal".

Paralelamente, a filosofia educativa da época reconhecia, com razão aliás, que a dicotomia entre teoria e prática, entre o saber e o saber-fazer, era errónea e "reaccionária" e procurou conciliar isso com a obsessão igualitária, que já tinha dado origem ao curso unificado no 7º, 8º e 9º anos.

Surgiu assim um novo ensino secundário com três componentes: formação geral, formação específica e formação vocacional.

A estrutura e a carga horária dessas três componentes eram diferentes nos cursos via ensino e nos técnico-profissionais; mas é verdade também que, pelo menos em algumas disciplinas, nunca se elaborou um programa específico adequado aos cursos profissionalizantes, remetendo-se essa tarefa para os professores, com as consequências facilmente imagináveis.

Por outro lado, não foram criadas aos alunos da via técnico-profissional opções de continuidade específicas no ensino superior; ao invés disso, foi-lhes dada a possibilidade de aceder aos cursos superiores já existentes, obviamente em clara situação de inferioridade.

O pior é que a vocação profissionalizante desses cursos nunca passou de uma ficção: não há memória que, ao longo da sua curta vigência, tenham produzido quaisquer técnicos, nem o sistema podia produzir aquilo para que não estava obviamente preparado; dito de uma forma mais clara, mas que não pretende ser depreciativa — ninguém ensina o que não sabe.

Se a formação "vocacional" era uma ficção nesses cursos, na via ensino transformou-se numa anedota. É duvidoso que as competências adquiridas nessas disciplinas tenham tido alguma utilidade para alguém.

A terceira grande alteração no sistema foi a criação do 12º ano, que começou por ser um "serviço cívico" anedótico, passou depois a "ano propedêutico", antes de se transformar num 12º ano encaixado entre o ensino secundário e o ensino superior. Dessa história atribulada ficou-lhe a imagem de solução de recurso para aliviar a pressão sobre as universidades, incapazes de absorver a massa de candidatos.

Entretanto, a reforma do sistema foi sendo adiada. Nessa primeira década de democracia, a educação não era obviamente uma prioridade nacional, por mais que dissessem os políticos. E é fácil compreender esse descaso. Havia então outras coisas mais urgentes a resolver. A instabilidade era então muito grande e nenhum governo aguentava os quatro anos de legislatura; por vezes, o seu ciclo de vida não ia além de uns meses. Sentia-se necessidade de reconduzir os militares aos quartéis e às suas funções próprias; era preciso estabilizar a situação financeira e relançar a economia; era urgente estruturar e estabilizar o sistema democrático. Só com a adesão de Portugal à CEE, em 1986, e a primeira maioria absoluta do PSD, em 1987, essa estabilidade foi verdadeiramente conseguida.

Enquanto isso, a educação esteve em compasso de espera. O processo de reforma só se iniciou efectivamente com a aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo, em 1986. Seguiu-se um debate bastante alargado, mas talvez não suficientemente profundo, que levou á reestruturação dos planos curriculares. Durante algum tempo viveu-se a ilusão de que algo iria mudar, apesar da dúvida dos mais cépticos. Afinal tinham razão.

Houve certamente melhorias, mas muito aquém do que se esperava. Os programas foram actualizados e melhor articulados. Algumas disciplinas tiveram a carga horária reforçada, porque percebeu-se finalmente que não se aprende nada em duas horas semanais. O 12º ano foi, por fim, integrado no ensino secundário. E surgiu como grande novidade a Área Escola, cheia de promessas, mas que veio a revelar-se um completo fracasso, não cumprindo nenhum dos objectivos que se propunha. Hoje, por esse país fora, e salvo excepções pontuais, a Área Escola é uma ficção, reduzida às tradicionais exposições de trabalhos, quando não simplesmente sumariada à pressa. Está morta e não há ninguém que lhe passe a certidão de óbito!

Para muitos, o sinal de alerta de que a reforma ameaçava reduzir-se a uma operação de cosmética foi dado pela manutenção da estrutura curricular anterior: a mesma divisão em ciclos, a mesma ausência de comunicação entre eles, as mesmas disciplinas e quase os mesmos programas. E algumas coisas nunca saíram do articulado legislativo, como por exemplo a disciplina de Desenvolvimento Pessoal e Social e a educação sexual.

O resultado e a prova do fracasso estão aí, à vista de todos: não é possível descortinar na escola de hoje diferenças significativas relativamente à escola que tínhamos na década de oitenta.

(Maio/98)


Copyright © 1998 Jorge Santos  
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