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Importância do desporto

 

Antes de mais, devo dizer que tenho, relativamente ao desporto, em geral, e ao futebol, em particular, um distanciamento quase total. Um defeito de educação, decerto, mas que é um pouco tarde para corrigir. Não aprecio, não pratico e só não o ignoro completamente, porque, para mal dos meus pecados, ele se mete pelos olhos e ouvidos dentro, quase sempre pelas piores razões. E já que tenho que ouvir e ver, tenho também o direito de falar, não é?

Entendamo-nos. Acho que o desporto, ou outras formas de actividade física, são fundamentais para um desenvolvimento equilibrado do indívíduo, para a manutenção ao longo da vida de um bom funcionamento orgânico, e até para combater o stress e alguma instabilidade psicológica; principalmente na sociedade moderna, marcada pelo sedentarismo e a actividade intelectual. Só vantagens, como vêem. É pena, portanto, que a maioria das pessoas não dediquem algumas horas por semana a algum tipo de exercício físico.

Podemos argumentar que isso acontece devido à inexistência, ou insuficiência, de espaços e meios adequados, o que é verdade. Mas é também, com frequência, uma desculpa fácil. Já repararam que, quando algo vai mal, a culpa nunca é nossa, é sempre dos outros: da mulher, do marido, dos filhos, dos pais, dos vizinhos, dos colegas, dos patrões, dos empregados, da câmara, do estado... eu que sei?! Isto para dizer que, apesar dessas limitações, é sempre possível fazer alguma coisa. Por isso mesmo, fico satisfeito quando vejo alguns dedicarem-se à corrida, ou ao ciclismo, enquanto eu e outros nos deixamos ficar pelos cafés, que é, há muito, a actividade física preferida dos portugueses.

É verdade que seria arriscado se muitos se dedicassem a essa ginástica de rua, mas seria provavelmente a única maneira de organizar o espaço urbano de forma a enquadrar actividades desse tipo. Enquanto for apenas uma minoria a praticá-las, certamente que não haverá grandes condições para arranjar os tais espaços que faltam. Afinal, seria algo ridículo construir ciclovias para treinar o caniche!

Principalmente entre as crianças e os jovens, o exercício físico, sob a forma desportiva ou outra, deveria ser muito mais estimulado, dado que as condições de vida moderna, excessivamente sedentária, não estimulam o organismo, o que é bastante mais grave na fase de crescimento. De certo modo pode dizer-se que a função faz o órgão e, se ele não é usado, como pode desenvolver-se? Daí que seja tão comum encontrar em muitos jovens saudáveis e normais a ausência de certas habilidades motores que só a vida ao ar livre dá. Nesse aspecto, a educação física e o desporto nas escolas deveriam ter um papel mais activo. Acho mesmo que haveria toda a vantagem em atribuir-lhes um estatuto extra-curricular, embora obrigatório. Não me parece que se possa ir longe com as aulas de educação física encaixadas no meio de outras aulas; dada a sua especificidade, se o professor e os alunos trabalharem com seriedade, reduz-se tudo a meia hora de actividade.

O que há de interessante nestas coisas da escrita, é isto mesmo: tinha a intenção de falar do futebol profissional, comecei a falar de desporto e quando dei conta já estava a discutir o currículo escolar...

Futebol profissional

Muitos de nós, em vez de praticar desporto, com risco de um desempenho pouco satisfatório, preferem transferir para profissionais devidamente habilitados essa tarefa. O pior que tem a actividade desportiva é que geralmente alguém perde e nós, humanos, não gostamos de perder nem a feijões. Por isso, não arriscamos: é preferível contratar uma equipa, pagar-lhe principescamente e fruir o espectáculo. Lamentavelmente os outros tiveram a mesma ideia e agora é o que se vê: inevitavelmente, no fim de cada partida, é baba e ranho dentro e fora do relvado... As ressacas futebolísticas de segunda-feira já são uma tradição nacional, bem como as infindáveis e inconclusivas discussões pré e pós-jogo, vez por outra com o recurso a argumentos físicos pouco desportivos.

Isto é, o futebol há muito que deixou de ser uma actividade física de carácter lúdico, para se transformar num espectáculo, de melhor ou pior qualidade, mas sempre caro. Estão muitos interesses envolvidos. A 'verdade desportiva', o que quer que isso seja, perdeu todo o sentido e transparência e a ética desportiva, se algum dia existiu, foi inteiramente substituída pela ética dos negócios: perder, no desporto profissional, é perder dinheiro e o dinheiro, toda a gente o sabe, é uma coisa séria com que se não brinca.

Daí decorre o resto. O espectáculo tem que ter 'qualidade' e há que contratar os melhores solistas com salários e prémios que fazem corar de vergonha muitos executivos de sucesso; à medida que esses solistas vão adquirindo prestígio são transaccionados entre os clubes por somas astronómicas. Mas isso não é tudo: há que ganhar a todo o custo e garantir na tabela classificativa uma boa posição (parece que uma boa posição é aquela que garantir acesso a provas internacionais); logo, um bom 'plantel' não chega; convém garantir a boa vontade dos árbitros, o que implica mostrar-lhes previamente o nosso reconhecimento, oferecendo-lhe, por exemplo, férias em algum paraíso tropical. Os jornais da especialidade falam, dia sim, dia não, em corrupção, mas deve ser atoarda, porque, tirando um ou outro caso, nunca ninguém provou nada.

Partindo do princípio que o futebol é um negócio (e é!), tudo isso seria mais ou menos aceitável. O que já não é aceitável, em empresas que movimentam milhões, é o não pagamento das importâncias devidas ao fisco e à segurança social. Durante anos essa situação foi-se agravando, apesar de umas quantas tentativas para regularizar os pagamentos, a última no âmbito do chamado 'plano Mateus'. Agora, meses depois, parece que em alguns casos subsistem as dívidas à segurança social e é possível que os devedores não consigam honrar os compromissos. Significa isso que alguns clubes e empresas andam há anos a viver acima das suas possibilidades. Será uma pena que alguns venham a fechar, mas isso será preferível a arrastarem uma penosa existência, encharcados em dívidas e vivendo de expedientes. Nem é sério pretender que o Estado continue a ignorar dívidas, dilatar prazos indefinidamente ou conceder perdões.

Nesta área, o Estado já fez concessões e já se omitiu que chegasse. Agora é tempo de falar verdade. Quem deve paga, ou fecha!

(Julho/98)


Copyright © 1998 Jorge Santos  
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