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Regionalização

 

A criação de regiões significa dividir o país em unidades mais pequenas, estabelecendo estruturas políticas e administrativas intermédias, entre o estado central e os municípios. Essa hipótese está contemplada na Constituição da República desde 1976, mas até recentemente não houve condições nem vontade política para a levar à prática. Nas sucessivas revisões constitucionais esse princípio permaneceu intocado, talvez porque uma parte razoável da classe política lhe reconhecesse virtualidades.

No entanto, a acreditar nas sondagens, tanto a sociedade como a própria classe política estão divididas, relativamente a esta questão. Nada como um referendo para apurar a opinião da maioria.

A pré-campanha está já em marcha; os defensores e os opositores dessa medida organizam-se, prestam declarações, procuram espaço nos meios de comunicação, acusam-se mutuamente de alguma coisa, esgrimem argumentos — se é que se lhes pode chamar argumentos... Em suma, fazem aquilo que se espera deles: afiam as garras para a campanha propriamente dita.

Enquanto isso, o público ocupa-se com outras coisas. E o problema dos regionalistas é esse: a maioria da população não parece sentir que a criação das regiões contribua de algum modo para melhorar a sua situação. E eu estou com eles. Tenho alguns motivos para votar contra e, até agora, nenhum para votar a favor.

A saber:

1 — A regionalização vai custar dinheiro. Quanto, ninguém sabe ao certo, mas seguramente bastante mais do que aquilo que os mais pessimistas podem imaginar. Nestas coisas o bom senso manda fazer um cálculo folgado, partindo do princípio de que o dinheiro é sempre pouco; depois dobra-se, porque inevitavelmente há itens imprevisíveis e imponderáveis; por fim, dobra-se novamente, por uma questão de segurança. Se procedermos assim, podemos ter a esperança de, no final, a derrapagem não ser muito grande. Resumindo, não estamos a falar de tostões; estamos a falar de muitos milhões de contos. E, mesmo que o Dr. Fernando Gomes diga que "baratinha, baratinha, é a ditadura", quero essas contas bem feitas, porque se trata do "meu" dinheiro; além disso, a escolha não é entre ditadura e regionalização.

2 — A regionalização vai aproximar o poder dos cidadãos, dizem-me. Se estão a falar de proximidade geográfica, estou inteiramente de acordo. Como não poderia estar?! E daí? O que é que eu ganho com isso? Não sinto que o meu presidente da câmara esteja mais próximo de mim que o presidente da república, o primeiro-ministro ou os deputados. Reconheço que a decisão das questões específicas e exclusivas do meu concelho devem ser resolvidas aqui e não num gabinete lisboeta ou de uma qualquer futura sede de região. Mas continuo sem vislumbrar o que é que poderia justificar a existência de uma estrutura político-administrativa intermédia. É verdade que há problemas que ultrapassam os limites de um município sem chegarem a ter uma dimensão nacional. Haverá certamente vantagem em encarar questões como o abastecimento de água, o saneamento, as infra-estruturas rodoviárias, numa perspectiva supra-municipal. O que me parece é que essas questões exigem a intervenção da administração central em colaboração com os municípios envolvidos, ou podem ser resolvidos pontualmente pela simples associação dos municípios interessados, deixando de lado aqueles que não são afectados. Parece-me mais vantajoso procurar soluções concretas e flexíveis para problemas específicos, a partir das estruturas administrativas já existentes — ainda que seja necessário submetê-las a aperfeiçoamentos — do que criar de raiz novas estruturas, necessariamente onerosas, rígidas e burocráticas.

3 — Além de não me parecer uma boa solução para a resolução de problemas de âmbito supra-municipal (e escrevo intencionalmente "supra-municipal", porque não vislumbro nenhum problema regional que as putativas futuras regiões possam resolver sem interferência do poder central), não me parece que a regionalização venha a facilitar a vida do cidadão comum. Pelo contrário: inevitavelmente teremos mais repartições, mais vistos, mais pareceres, mais requerimentos, mais gastos, mais tempo perdido, mais indefinição de competências e responsabilidades — em resumo, mais chatice. Se não acredita, vote a favor de depois veja se encontra alguém a quem se queixar...

4 — Os regionalistas vão argumentar que não haverá duplicação de serviços, nem de funções, nem de gastos. O meu conselho é que não acreditem. Nenhum funcionário se vai transferir de Lisboa para a província para não onerar o orçamento do Estado; nenhuma repartição ou serviço dos actualmente existentes vai desaparecer, mas não me espantaria se surgisse em Lisboa (pois, então) uma "comissão coordenadora", um "concelho consultivo" das regiões ou outra figura burocrática semelhante, inevitavelmente inútil e gastadora; e, como os serviços existem para alguma coisa, muitas competências vão ter um pé em Lisboa e o outro em Alguidares de Cima — vá por mim! E nada disso é de graça!

5 — Vão dizer, certamente, que a regionalização permitirá uma distribuição mais justa dos recursos públicos, mas essa é uma discussão infindável. O que é justo para uns, será injusto para outros e, naturalmente, todos têm razão. O que eu sei é que nenhuma região cederá de bom grado um tostão a favor das outras. Inevitavelmente, as regiões mais ricas — qualquer que seja o critério utilizado para aferir a riqueza — ficarão com a parte de leão. Dito de outra maneira: se tudo correr bem, não muda nada; mas se, como prevejo, as coisas começarem a correr mal, vão aumentar os desequilíbrios regionais. E no interior das regiões acontecerá o mesmo: os municípios mais atrasados, sem peso demográfico, nem económico, nem político, andarão de chapéu na mão a mendigar os restos dos abastados.

6 — Aliás, e com o devido respeito por muita gente que defende a causa desinteressadamente, a campanha pela regionalização parece-me, cada vez mais, uma aposta desesperada de alguns políticos que alcançaram prestígio à frente dos seus municípios, mas não se sentem com coragem para disputar um lugar de relevo a nível nacional. Para eles, a solução é criar um espaço onde possam satisfazer a sua sede de notoriedade. Muitos deles, até pelo estilo histriónico, parecem cópias desbotadas do Alberto João. Não contem comigo para isso. Mas, se quiserem disputar um lugar em Lisboa, cá estarei para avaliar o mérito das suas propostas.

7 — Finalmente uma questão bem mais séria, delicada e discutível. Portugal acaba de aderir à moeda única e com isso o governo central perde algum poder e margem de manobra. É inquestionável. Apesar de tudo, concordo com essa transferência de poderes, porque creio que o saldo final será positivo. Já não me parece aconselhável esvaziá-lo de outros poderes e competências a favor das regiões, fragilizando-o, principalmente quando não se vê que vantagens possam advir dessa transferência.

Portanto, já sabem. Se nos próximos meses os regionalistas conseguirem convencer-me de que estou errado, contem com o meu voto; caso contrário...

Ah! E não me venham com exemplos de fora! Falem-me do meu país e dos meus problemas. E sejam concretos: especifiquem; quantifiquem; digam como, quando, onde, quanto, porquê, para quê.

(Maio/98)

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