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No momento em que escrevo, a comissão de justiça do Senado americano está reunida para decidir se há fundamento suficiente para iniciar o processo de destituição do presidente Clinton. Todos sabem que na origem deste processo está o relacionamento de Clinton com Mónica Lewinsky. É claro que a acusação não incide propriamente sobre as intimidades do presidente com a sua assessora, já reconhecidas por ele: refere-se a coisas bem mais sérias, como perjúrio e obstrução da justiça. A classe política coloca-se frequentemente em situações ridículas, mas não tanto. Seria impossível condenar juridicamente quem quer que fosse por semelhantes ninharias.
Temos então um presidente apanhado literalmente com as calças na mão e uma maioria republicana no Congresso que parece não resistir à tentação de agarrar esta oportunidade com ambas as mãos: destituir o presidente, fragilizar o seu partido e ganhar as próximas eleições são os seus objectivos. E, para que a manobra possa ter sucesso, ele está a ser julgado, não pelo que fez com Mónica Lewinsky, mas pelo que terá feito depois a respeito desse caso: mentir e incitar a mentir. Mas é preciso não esquecer as circunstâncias em que Clinton terá eventualmente mentido e incitado a mentir.
E aí, quanto a mim, é que está o problema: na verdade, acho que ninguém, incluindo o senhor Starr, os parlamentares que o vão julgar, você e eu próprio, ninguém, repito, apertado sobre questões tão íntimas, conseguiria evitar uma mentirinha; provavelmente pediríamos até aos próximos que mentissem para corroborar a nossa mentira. É assim, e atrevo-me a dizer que assim é que está certo.
Porque é inadmissível que a vida íntima das pessoas seja devassada, como o foi a do presidente Clinton. Por isso, e só por isso, ele tem a minha solidariedade. O presidente terá eventualmente mentido, terá até incitado a mentir, mas fê-lo para preservar algo que todos temos o direito de preservar: a nossa intimidade. Em boa verdade, não deveria ser o presidente a responder pelo que fez, e que qualquer outro teria feito, mas o sistema jurídico que permite tal aberração.
(Outubro/98)